A corrida do varejo para lançar Conta Digital

Não param de surgir contas digitais alternativas aos bancos tradicionais.

Primeiro foi a vez das fintechs lançarem contas digitais para concorrer com os grandes bancos; depois chegou a vez dos pequenos bancos aderirem ao movimento de digitalização; por fim vimos os bancos tradicionais começarem a abrir contas pela internet. Pois agora chegou a vez dos varejistas entrarem na corrida para lançar alternativas aos bancos.

Varejo

Varejo brasileiro corre para lançar contas digitais e soluções de pagamentos.

No Brasil o movimento começou em Dezembro de 2015 quando o Banco Inter – que na época se chamava Banco Intermedium – começou a abrir contas pela internet, o processo de abertura era feito via computador. Menos de um mês depois, surgiu o Banco Original, o pioneiro a abrir contas via aplicativo no celular.

O AVAL DOS ÓRGÃOS REGULARES E O IMPULSO AOS DIGITAIS

O Banco Central (BC) fez a sua parte na popularização das contas digitais no país ao não impedir o crescimento delas, o órgão abriu o mercado para que fintechs pudessem atuar, liberou inclusive contas de pagamentos de receber portabilidade do salário, algo que antes era restrito aos grandes bancos. Nem mesmo a quebra do Banco Pottencial (ex banco custodiante da Neon Pagamentos) fez com que o Bacen barrasse o crescimento dos bancos digitais.

O BC já vinha mostrando sinais de descontentamento com a grande concentração bancária, algo que fazia com que o brasileiro ainda utilizasse bastante o dinheiro em espécie, prova disso é que ainda somos um país com um dos maiores números de consumidores desbancarizados.

Com as ações do órgão, a tendência é que os consumidores deixem cada vez mais de usar o dinheiro em espécie, substituindo-os por contas digitais e carteiras de pagamentos que não param de “pipocar”.

A Febraban também fez a sua parte nessa evolução, ela tornou possível contas não-bancarizadas de enviar e receber transferências interbancárias com os bancos tradicionais.

VAREJO TAMBÉM QUER SER “BANCO”

A primeira varejista a lançar uma conta digital foi a B2W, a dona das lojas virtuais Americanas, Shoptime e Soubarato lançou a conta Ame Digital e aproveitou para fazer concorrência não só contra os bancos, mas também atacou o Méliuz Fidelidade, programa de cashback bastante utilizado pelos consumidores para descontos em compras pela internet.

Observando o movimento da B2W, a Pernambucanas correu para lançar a sua conta digital, cuja mensalidade é de R$4,99 por mês. Para se diferenciar, a Pernambucanas optou por um modelo de conta mais tradicional, sem programa de fidelidade / cashback, até mesmo o processo de abertura de conta é semelhante aos bancos tradicionais, ou seja, só abre conta na agência, digo, nas lojas.

O último grande varejista a adentrar o mercado de contas digitais foi a Via Varejo, dona do Ponto Frio e das Casas Bahia, ela fez uma parceria com a fintech Airfox para lançar a conta banQi, cujo foco são consumidores não-bancarizados das classes C, D e E.

Processadoras de pagamentos

Junto com o crescimento dos bancos digitais chegou a “guerra” das maquininhas de cartões, o mercado nunca esteve tão saturado de opções. A Cielo foi uma das primeiras a vislumbrar o possível crescimento dos pagamentos digitais e fim dos cartões de plástico, a credenciadora lançou uma ferramenta que permite pagamentos por QR Code em qualquer maquininha.

O serviço de QR Code da Cielo aceita não apenas a conta da credenciadora, mas também contas de terceiros. Já usam o sistema o Banco do Brasil, Bradesco, Next, PicPay, Agibank, Original, banQi, dentre outros.

A credenciadora Rede aceitará pagamentos via QR Code pela conta iti. Os milhões de estabelecimentos que possuem máquinas da Rede devem estimular os clientes a pagar com iti, isso porque a taxa promocional deve ser de apenas 1%, ademais, quem vender com iti receberá o valor na conta instantaneamente.

O motivo de tanto interesse pode estar relacionado a vontade dos varejistas de reduzir a dependência das credenciadoras de cartões, pois muitas acabam por “abocanhar” entre 1% e 5% do lucro das varejistas no processamento das vendas via cartões de crédito e débito.

A invasão do varejo também atraiu para o mercado empresas de pagamentos que antes se limitavam a processar pagamentos: PagSeguro lançou o PagBank e o Mercado Livre lançou a conta digital do Mercado Pago.

Corretoras de investimentos

Entram nessa disputa também as corretoras de investimentos, que têm deixado de focar apenas em investimentos para disponibilizar soluções bancárias completas (transferências, pagamentos, cartões, saques, dentre outros) em uma tentativa de conquistar potenciais investidores que esse tipo de produto oferece.

Que elas aumentam o número de clientes com a oferta desse tipo de produtos não há dúvidas, a questão é se esses novos clientes estão mesmo se engajando em produtos de investimentos.

A Sofisa Direto foi a primeira corretora a lançar uma conta digital completa, antes a empresa já abria contas pela internet, mas elas eram restritas a investidores, as contas não recebiam transferências de terceiros.

A Modalmais e o BMG usaram a mesma estratégia ao investirem na criação de uma conta digital gratuita.

Para entrar nesse mercado teve banco que até mudou de nome, o Banco Bonsuceso – instituição tradicional com mais de 25 anos de atuação – passou a se chamar Banco BS2 em um processo de digitalização que inclui um hub completo de produtos e serviços financeiros que segue a mesma estratégia de crescimento do Banco Inter, ou seja, tudo de graça!

Em 2019 a previsão é de que o BTG Pactual também lance um banco digital – cabe lembrar que dois ex-sócios criaram o C6 Bank, instituição que começou a funcionar recentemente em fase beta.

Cooperativas

A prova de que ninguém quer ficar de fora é o surgimento de contas digitais de cooperativas. A Sicredi lançou o Woop; o Sicoob lançou o Yoou. Há também pequenas cooperativas que estão investindo no lançamento de contas próprias, o caso da Sicredi Pioneira que atua no Rio Grande do Sul.

A digitalização será inevitável para todas as empresas que trabalham com dinheiro, com a advento da tecnologia o consumidor busca realizar transações cada vez mais pela internet, principalmente via aplicativos.

Um outro forte indicador dessa tendência está no fechamento de agências de bancos tradicionais, o Itaú, por exemplo, já anunciou em 2019 que vai fechar pelo menos 400 agências para se adequar ao processo de digitalização dos bancos.

Bancos tradicionais não conseguem ganhar espaço entre os digitais

De 2016 até hoje os bancos tradicionais tentam incansavelmente conquistar o consumidor que vem trocando as agências tradicionais pelos bancos digitais, prova disso é que a vasta maioria dos bancos já permitem a abertura de conta pela internet desde 2016 – a exceção, claro, fica por conta da Caixa que até hoje não abre conta pela internet – mas os números desse setor têm frustrado, para se ter uma ideia, em 2018 os 10 maiores bancos do país, juntos, só conseguiram abrir cerca de 2,5 milhões de contas pelo celular.

Para efeitos de comparação, o Nubank sozinho conseguiu abrir mais de 1 milhão de contas em 2018, fechando o ano com 2,5 milhões de correntistas.

Alguns bancos tradicionais optaram por lançar “fintechs” para conquistar espaço entre os digitais, foi o caso do Banco Bradesco que criou o Next Bank; e do Santander que comprou a fintech Superdigital (ex Conta Super).

Itaú pode dar o xeque-mate

O maior banco do país, o Itaú Unibanco, também prepara o lançamento de um concorrente de peso, o iti deverá ser lançado ainda no terceiro trimestre de 2019, ele faz um mix de vários produtos: conta digital, programa de fidelidade com cashback e carteira de pagamentos via QR Code.

Ao contrário de algumas contas digitais, o Itaú quer trazer para o meio digital todos os produtos e serviços de um banco completo, a conta que poderá ser aberta via APP terá: limites de crédito, empréstimo pessoal, seguros, investimentos, cartões de crédito, dentre outros produtos.

O novo produto do Banco Itaú é promissor pois ele deve contar com toda a estrutura presencial do maior banco privado em número de clientes do país.

Já é esperado que assim que a conta iti for lançada o Banco Itaú invista em materiais de divulgação para popularizar pagamentos via celular, algo que pode ameaçar inclusive o crescimento das bandeiras de cartões, pois a conta digital também permitirá pagamentos com saldo em carteira, o que elimina um intermediário da transação, permitindo que a empresa cobre taxas menores dos estabelecimentos.

Quem acompanha dos bastidores é o Magazine Luiza, instituição que já deixou escapar que está trabalhando no lançamento de uma fintech própria de pagamentos, a Magalu Pagamentos.

O Brasil é, certamente, um caso a ser estudado, o único país do mundo onde os bancos conseguem lucrar mesmo com a economia “patinando”, aqui nem mesmo a crise econômica afeta o crescimento dos “bancões”.

Só nos resta acompanhar quanto tempo vai durar esse “boom” das contas digitais, visto que a concorrência está ficando muito acirrada.

Engana-se quem pensa que a corrida termina aí, ainda em 2019 dois bancos digitais da Europa devem chegar ao Brasil: o N26 e o Revolut.

O acirramento dessa concorrência já fez com que alguns analistas revisassem o preço-alvo das ações do Banco Inter, único banco digital com ações negociadas na B3. O Agibank estava com planos avançados para lançar a sua IPO (Oferta Inicial de Ações na Bolsa), mas voltou atrás e decidiu adiar a sua entrada na B3.

Talvez uma questão que possa gerar preocupação é o surgimento de muitas contas que não contam com a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), muitas das quais estão oferecendo limite de crédito, principalmente empréstimos e cartões de crédito, caso essa forte concorrência continue, é provável que muitas dessas contas não sobrevivam, o que poderá deixar alguns clientes no prejuízo.

O BC vem flexibilizando a concessão de crédito para acirrar a concorrência e, consequentemente, baixar a taxa de juros, mas essa atitude pode aumentar o risco de insolvência caso a inadimplência continue a crescer no Brasil.

Ainda mais se considerarmos o fato de que muitas contas estão optando por isenção total de tarifa para ganhar consumidores, um modelo que pode não ser lucrativo. Para uma fintech oferecer saques gratuitos em caixas de terceiros como Banco24Horas e Saque Pague tem um custo, esse custo é assumido pela empresa quando ela resolver dar serviços de graça.

Concorrência é sempre saudável, mas o que parece que está acontecendo com algumas empresas é o FOMO (fear of missing out) sigla em inglês que significa medo de ficar de fora.

Os custos que precisam ser considerados na hora de abrir uma fintech para oferecer uma conta digital:

  • Gastos com pessoal (funcionários);
  • Gastos com disponibilização de saques em caixas eletrônicos ou rede de terceiros (principalmente se a empresa tiver um modelo isento de tarifa);
  • Gastos com a confecção e envio dos cartões;
  • Manutenção e segurança de aplicativo e internet banking – não esquecer que a empresa está lidando com dinheiro dos outros;
  • Marketing e publicidade da conta;
  • Atendimento ao cliente;
  • Potenciais gastos com inadimplência caso ofereça limite de crédito (cobranças, setor jurídico, protestos, etc);
  • Gastos jurídicos com eventuais processos de consumidores;
  • Gastos para o atendimento de reclamações de consumidores em órgãos como Procon, ReclameAqui, Consumidor.gov.br, etc);
  • Comunicações obrigatórios de dados de clientes com órgãos reguladores;
  • Contabilidade empresarial;
  • Tributos;
  • Prejuízos com eventuais fraudes financeiras (sempre acontece!);
  • Gastos com investimentos em Compliance (cada vez mais obrigatório);
  • Hospedagem de servidor / cloud;
  • Obtenção de licenças;
  • Eventuais multas de órgãos regulares (Banco Inter, por exemplo, já foi multado em R$ 1,5 milhão por vazamento de dados);

Como se pode ver, oferecer uma conta gratuita ou muito barata não é um negócio fácil. Há vários riscos envolvidos no negócio.

Geralmente em negócios “freeless” (sem tarifa) as empresas tentam ganhar dinheiro com a oferta de serviços agregados como: investimentos, seguros, empréstimos, etc, mas nem sempre a expectativa reflete a realidade, pois a concorrência está muito acirrada.

A tecnologia não para de evoluir, é provável que daqui alguns anos nem mesmo as contas digitais continuem a existir com a popularização das criptomoedas. Ainda em 2019 o Facebook deve anunciar mais detalhes de seu projeto de criptomoeda, uma stable coin que será baseada no Dólar Americano (USD).

Toda empresa quer ter o próprio banco e, em breve, toda pessoa vai querer SER o próprio banco.

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